GPR55

 

        O sistema endocanabinoide (SEC) tradicionalmente gira em torno de dois receptores principais: CB1 e CB2, reconhecidos por regular uma vasta gama de processos fisiológicos. Contudo, pesquisas recentes vêm destacando um novo ator no cenário: o GPR55, um receptor acoplado à proteína G que responde aos canabinoides e vem sendo considerado um possível “CB3”. Apesar de ainda não ser oficialmente classificado dessa forma, o GPR55 tem ganhado destaque crescente na medicina endocanabinoide e nas ciências biomédicas em geral.

GPR55: Por que ainda não é o CB3?

        Mesmo demonstrando interação com compostos como THC e CBD, o GPR55 ainda não foi oficialmente denominado CB3. Diversos fatores justificam essa ausência de reconhecimento formal:

  • Baixa homologia genética: apresenta apenas cerca de 13 a 14% de identidade de sequência com os receptores CB1 e CB2 (Sharir & Abood, 2010), evidenciando uma estrutura bastante distinta.

  • Vias celulares diferenciadas: Enquanto CB1 e CB2 modulam a comunicação e a inibição neuronal, o GPR55 ativa caminhos distintos que aumentam os níveis intracelulares de cálcio, influenciando o crescimento e a movimentação celular.

  • Ligante endógeno incerto: Enquanto a anandamida e o 2-AG são ligantes bem estabelecidos de CB1 e CB2, o ligante natural do receptor ainda não foi confirmado. O lisofosfatidilinositol (LPI) é um forte candidato, mas falta consenso definitivo.

  • Interação com compostos diversos: O receptor é sensível não apenas aos canabinoides, mas também a outros compostos não canabinoides, sugerindo um papel mais abrangente no chamado endocanabinoidoma.

O status pode mudar?

        Com certeza. A eventual nomeação do GPR55 como receptor CB3 dependerá de avanços científicos que preencham lacunas específicas. Entre os critérios necessários estão:

  • Identificação inequívoca de seu ligante endógeno

  • Demonstração consistente de resposta a fitocanabinoides

  • Definição clara de seu papel funcional no SEC

  • Reconhecimento e padronização oficial por parte da comunidade científica

        Enquanto essas evidências não forem consolidadas,  permanece classificado como um receptor putativo ou atípico, relevante no eCBome, mas ainda fora da designação CB formal.

Descoberta e Distribuição do GPR55

        O GPR55 foi identificado pela primeira vez em 1999 por pesquisadores da Universidade de Toronto. Localizado no cromossomo 2q37, esse receptor de sete domínios transmembrana codifica uma proteína acoplada à proteína G (Sawzdargo et al., 1999).

Locais de expressão

        O RNA mensageiro deste receptor é amplamente distribuído em tecidos humanos, com destaque para:

  • Sistema nervoso central: núcleo caudado e putâmen

  • Sistema imunológico: baço, linfonodos e timo

  • Outros tecidos: trato gastrointestinal e testículos

GPR55 e Canabinoides: Como interagem?

        Embora o ligante natural do GPR55 ainda seja debatido, já está bem documentado que o receptor pode ser ativado ou inibido por diferentes canabinoides:

  • CBD (Canabidiol): atua como antagonista ou agonista inverso (Patricio et al., 2022)

  • THC (Δ⁹-Tetrahidrocanabinol): atua como agonista direto (Kolbe et al., 2021)

Agonismo vs. Antagonismo: implicações clínicas

        Um exemplo importante do impacto da modulação do GPR55 é observado no câncer de mama triplo-negativo (TTN). Este subtipo agressivo de câncer frequentemente apresenta superexpressão deste receptor. Nesse cenário:

  • THC, ao atuar como agonista, pode estimular a migração, invasão e metástase de células tumorais.

  • CBD, por outro lado, inibe essas ações ao bloquear o receptor, com estudos demonstrando sua eficácia na redução da proliferação e angiogênese em modelos pré-clínicos (Andradas et al., 2016).

        Essa dualidade destaca a necessidade de um tratamento canabinoide personalizado, especialmente em contextos oncológicos.

Considerações clínicas

  • Em tumores que expressam GPR55, formulações com alto teor de THC podem representar riscos clínicos, dada a possibilidade de estimular o crescimento tumoral.

  • Fórmulas CBD-dominantes ou balanceadas podem oferecer uma abordagem terapêutica mais segura, principalmente quando a modulação do GPR55 é uma preocupação central.

  • Importante: o THC continua apresentando efeitos antitumorais por meio de outros receptores, como CB1, CB2 e TRPV1, sendo possível combinar seu uso com antagonistas deste receptor (como o CBD) para mitigar riscos.

Outras aplicações terapêuticas do GPR55

         Além da oncologia, está envolvido em mecanismos neurológicos e inflamatórios. Nesses contextos, a modulação do receptor — especialmente o antagonismo promovido pelo CBD — mostra promissora atividade clínica:

  • Epilepsia: a ação do CBD  pode reduzir a excitotoxicidade e a liberação de cálcio intracelular (Kaplan et al., 2017).

  • Síndrome do X Frágil: modulação do GPR55 hipocampal pelo CBD melhora comportamento e memória (Manduca et al., 2024).

  • Excitotoxicidade: o THC, ao ativar o receptor, pode estimular a liberação de glutamato. Já os antagonistas podem ajudar a controlar essa excitação neuronal excessiva (Lauckner et al., 2008).

        Esses achados sugerem um vasto campo de aplicação em distúrbios neurológicos e de desenvolvimento, onde a precisão terapêutica pode otimizar resultados clínicos.

 

gpr55

Perspectivas futuras: GPR55 na prática médica

        Diversas questões-chave ainda precisam ser exploradas:

  • Qual é o ligante endógeno definitivo ?

  • Como o receptor influencia subtipos específicos de doenças?

  • É possível usar moduladores seletivos  em conjunto com fitocanabinoides?

  • A genética individual do GPR55 afeta a resposta clínica?

  • Quais são as proporções ideais entre THC e CBD para otimizar o receptor sem aumentar riscos?

        Responder a essas perguntas poderá consolidá lo como um alvo terapêutico de próxima geração dentro do SEC.

 

GPR55 e a nova fronteira da medicina canabinoide

        Apesar de ainda ser classificado como receptor atípico, o GPR55 já representa uma peça central no quebra-cabeça do endocanabinoidoma. Sua resposta divergente ao THC e ao CBD reforça a importância de compreender com profundidade a farmacologia dos canabinoides. À medida que novas descobertas emergem, espera-se que evolua de receptor putativo para um alvo validado e estratégico na medicina personalizada baseada no sistema endocanabinoide.

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