A esclerose múltipla é uma doença neurológica complexa que afeta milhares de pessoas no Brasil e no mundo. Entre os diversos recursos terapêuticos disponíveis, cresce o interesse pelo uso da cannabis medicinal no controle de sintomas como espasticidade, dor e distúrbios do sono.
Neste artigo, exploramos a relação entre cannabis e esclerose múltipla, destacando os efeitos clínicos do CBD, do THC e as evidências científicas por trás do medicamento Sativex®, já aprovado em diversos países.

O que é esclerose múltipla e como ela afeta o corpo
A esclerose múltipla (EM) é uma doença inflamatória crônica, autoimune e desmielinizante que afeta o sistema nervoso central. Caracteriza-se pela destruição da mielina, substância que reveste e protege os axônios dos neurônios, resultando em falhas na condução dos impulsos nervosos. Os sintomas podem ser bastante variados, incluindo fadiga intensa, perda de força muscular, formigamentos, alterações visuais, espasticidade, dor neuropática e prejuízo cognitivo.
Na fisiopatologia da EM, observa-se ativação do sistema imunológico, com infiltração de células T no cérebro e medula espinhal, liberação de citocinas inflamatórias e formação de placas de desmielinização. O processo neurodegenerativo pode levar à incapacitação progressiva, especialmente quando o diagnóstico e tratamento não são precoces ou adequados.
O papel da cannabis na modulação de sintomas da esclerose múltipla
A utilização da cannabis vem sendo amplamente estudada como alternativa terapêutica para aliviar sintomas refratários da esclerose múltipla. Os dois principais fitocanabinoides da planta, o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabinol (THC), atuam por vias distintas e complementares, promovendo alívio dos sintomas de forma multifatorial.
O CBD possui propriedades anti-inflamatórias, ansiolíticas, anticonvulsivantes e neuroprotetoras, além de atuar como modulador alostérico negativo dos receptores CB1 e ativador de receptores TRPV1 e 5-HT1A, o que o torna uma opção com excelente perfil de segurança.
Já o THC, psicoativo em doses elevadas, atua como agonista parcial dos receptores CB1 e CB2, promovendo relaxamento muscular, controle da espasticidade, melhora da dor e do humor. A combinação equilibrada de ambos pode trazer resultados terapêuticos mais eficazes, principalmente nos quadros de espasticidade muscular, demonstrando os efeitos da cannabis e esclerose múltipla.
Quimiovar 2: equilíbrio entre THC e CBD no controle da espasticidade
Entre os diferentes perfis químicos das variedades de cannabis, destaca-se o quimiovar 2 (chemotype II), caracterizado por conter proporções próximas de 1:1 entre THC e CBD. Essa combinação reduz os efeitos psicoativos do THC ao mesmo tempo em que potencializa suas ações terapêuticas. Pacientes com EM que utilizam esse perfil de canabinoides relatam redução da rigidez muscular, melhora na mobilidade e alívio significativo da dor associada à espasticidade.
Além disso, o quimiovar 2 é associado a menor incidência de efeitos adversos, como sedação excessiva ou euforia, tornando-o uma opção segura para uso contínuo em contexto clínico. É a partir desse perfil botânico que foi desenvolvido o primeiro medicamento derivado de cannabis aprovado para uso específico na esclerose múltipla.

Sativex®: histórico, aprovação e evidências científicas
O Sativex® (nabiximols) é um fitoterápico de uso oromucoso desenvolvido a partir do quimiovar 2, com concentrações padronizadas de THC e CBD em proporções próximas de 1:1. Criado pela farmacêutica GW Pharmaceuticals, foi aprovado no Canadá em 2005 e posteriormente em diversos países europeus para o tratamento da espasticidade moderada a grave em pacientes com esclerose múltipla que não responderam adequadamente a outras terapias antiespásticas.
O desenvolvimento do Sativex® contou com ensaios clínicos de fase III, com metodologia robusta, que avaliaram a eficácia e segurança do medicamento em pacientes com EM.
Um dos estudos mais citados, publicado por Collin et al. no European Journal of Neurology, demonstrou que 40% dos pacientes tratados com Sativex® apresentaram melhora significativa da espasticidade após quatro semanas de uso, em comparação ao placebo. Outros benefícios relatados incluíram melhora na qualidade do sono, redução das dores e aumento da mobilidade.
Estudos de extensão a longo prazo confirmaram que os efeitos benéficos do medicamento se mantêm ao longo dos meses, com boa tolerabilidade e poucos efeitos colaterais significativos.
Uma revisão sistemática da Cochrane também reforçou as evidências em favor do uso de canabinoides na esclerose múltipla, especialmente no controle da espasticidade percebida pelos próprios pacientes. Embora os efeitos medidos por escalas clínicas objetivas sejam discretos, o impacto subjetivo relatado é relevante e tem repercussão direta na qualidade de vida.
Considerações finais sobre cannabis e esclerose múltipla
O uso da cannabis e esclerose múltipla representa uma inovação terapêutica com respaldo científico crescente. Pacientes com sintomas como espasticidade, dor neuropática, fadiga e distúrbios do sono podem se beneficiar significativamente da combinação entre CBD e THC, principalmente nas formulações balanceadas como as encontradas no quimiovar 2.
A aprovação e disseminação do Sativex® reforçam a legitimidade dessa abordagem em países com políticas públicas de saúde mais avançadas no tema.
A adoção de protocolos individualizados e o acompanhamento médico especializado são essenciais para garantir eficácia e segurança no tratamento. A cannabis e esclerose múltipla formam, hoje, um campo promissor da medicina integrativa baseada em evidências, que busca ampliar o cuidado do paciente de maneira personalizada, natural e com foco na restauração da funcionalidade e bem-estar.
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